segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Lenna sentia seu corpo queimar. As agressões deixavam em sua pele a lembrança de sua desobediência. Ela queria chorar, mas não ousaria desabar enfrente aquele homem. Seus pensamentos tentavam consolar seu ódio, imaginando o que poderia fazer com aquela alma.

- Não me olhe assim menina. Precisamos domar as feras antes de expô-las. Assim se lembraram de quem manda se fizer algo.

Queria ofende-lo, mas sua boca doía. Seu maxilar estaria quebrado? Teria ele a socado com tanta força? Maldito. Mas iria pagar. Com a vida, pensava Lenna. Ela poderia acabar com tudo se quisesse, mas eles a pegaram da pior maneira. Seu irmão Ícaro estaria com o dono do circo, Dórios. Ele os pegara quando visitaram sua cidade em Orlienys. Não havia como pedir ajuda estavam apenas os dois enfrente o riacho das pedras. Lenna mostrava o irmão como usar o elemento da água para curar, quando os olhos do homem se exuberou pela magia de Lenna. Sua família não imaginaria o acontecido, pois apenas ela seria diferente, e depois Ícaro. Ele tinha apenas 9 anos, Lenna dez anos mais velha.

- Vamos Lourenço! O circo abre quase agora! – gritou um dos empregados. – Larga essa menina, vai acabar matando ela, de tanto trepar! Ela não vai ter energia nenhuma.

- Está bem! Está bem! – disse o homem nojento se livrando dela. – Depois do show vou te pegar.

Lenna o olhou se afastar e cuspiu. Que ódio era aquele. Ela estava possessa por vingança queria acabar com ele.

Depois de um tempo a velha Mary se aproximou da jaula, com sua maleta de cosméticos. Seus olhos se indignavam com o que via. Ela entrou para aprontar Lenna para seu quarto show.

- Pobre criança... –dizia ela enquanto maquiava Lenna. – Esse homem nojento. Não se preocupe querida ele se enjoara.

Lenna não sentia raiva de Mary apesar de fazer parte de sua prisão, mas a velha lhe trazia palavras de consolo. E a vestia e a medicava com ervas, e lhe dava água e com isso podia se curar novamente, para no outro dia ser martirizada. Queria sua casa, seus pais, a comida simples de sua mãe. Mas não podia, tinha que mostrar sua magia para aqueles olhos curiosos, que viam ao circo para ver a filha do diabo como diziam. Se não o fizesse Ícaro morreria.

Mary a deixou pronta, o vestido vermelho, com os cabelos penteados, uma coroa. Parecia uma princesa, aprisionada em uma jaula ao lados dos animais. Queria chorar quando Mary a olhou nos olhos.

- Não chore criança. Sua dor vai passar.

- Não, não vai.

- Você e capaz de tudo e mesmo assim se rende a eles. Não seja tola criança, mostre a eles quem é você! Você tem a magia! Mostre-a!
                       *                                *                                      *
Por traz das cortinas Lenna ouvia Dórios pronunciar suas palavras, invocando a curiosidade em seu público, que aguardavam com a mais vigorosa ânsia, ver a filha do diabo.

- Senhoras e Senhores, hoje nesta noite vocês presenciaram uma ilustre jovem. Cujo a beleza foi concedida... Porem com sua beleza, veio o poder do próprio diabo! - ele pausava, e Lenna ouvia os cochichos dos presentes. – Esta jovem, mostra a vocês, o seu poder. Não temam meus Senhores, e senhoras, temos o poder de Deus conosco. Vejam Lenna a Feiticeira!!!

Com as cortinas abertas Lenna não levantou seu rosto para fitar os presentes. Sentia raiva fúria. Queria acabar com aquilo. Queria matar todos a quem fizera o mau. Seus braços mal se movia com as correntes pesadas e grossas. Permanecia com a cabeça baixa, sentada no chão de terra no meio de tantas pessoas, os protestos começaram a brotar. Pessoas perguntavam da feiticeira, acusavam Dórios de charlatanismo. Mais e mais protestos. Lenna ouviu os passos firmes de Dórios se aproximar, e o chicote encostar no chão e o estalo em sua pele. O silencio prevaleceu, todos fitaram a agressão como tortura. Como aquele homem poderia machucar a jovem? Por que tal brutalidade. Dórios tentou explicar mais não adiantou, ela permanecia intacta sentada, olhando o chão. Quando em meio os protestos a ele, ela viu seu agressor Lourenço atrás das cortinas para que o público não o visse, mostrando seu irmão amordaçado, sendo jogado no chão. Estava batendo no podre Ícaro que não podia se defender pelas cordas que o prendia.

Todos se calaram ao ver Lenna levantar, seus olhos eram negros como uma noite sem luar. Dórios recuou, estava no mesmo espaço que ela e temia. Ele fez um sinal como se o seu irmão sofreria as consequências. Mas ela o fitava e não deu importância.

- Viram olhem os olhos dela! São do próprio diabo!

Das tochas amarradas nas pilares, o fogo dançava formando um dragão oriental, e sombras, dançantes saiam do chão em formas horrorosas, eram diabos com asas, apenas sombras. Ela queria espantar todos e deixar apenas seus agressores. Com sucesso. Todos saíram correndo, gritando, alguns artistas do circo também.

- Seu irmão pagará! Bruxa! – disse Dórios. – Lourenço! venha cá! Homens!

Lourenço veio com mais quatro homens, um deles tinha uma espingarda apontada para ela. Lourenço tinha um punhal no pescoço de Ícaro.

- Vamos Bruxa, faça algo. – Ameaçou Dórios ao risos com seus capangas.

Lenna sorriu, suas correntes viraram duas jiboias, que deslizavam pelo chão. Todos olhavam horrorizados, a menina estava diabólica, suas unhas eram ocupadas por garras, seus cabelos desgrenhados, não eram loiros, sim uma cor barrenta, os lábios roxos, sua expressão era de matar. Mas ainda era de uma beleza inestimável.

- Morram! – disse ela.

Uivos, escutavam uivos. Com os braços esticados, Lenna puxou Ícaro, com uma força invisível. Colocando-o para trás de seu corpo para protege-lo. Um deles preparava para atirar quando a jiboia deu seu bote, projetando seu tiro para o alto. Lobos entravam pelas frestas da tenda, mostrando suas presas, rosnando. Eram vários. Dórios tremia, se jogou no chão ao ver seus homens serem mutilados. Lenna se aproximou de Lourenço e apontou para sua parte intima. Ao poucos ele começou a gritar, se debatendo, chorando. Ela o fazia apodrecer. Enfim olhou Dórios, chorando como uma criança.

- Você não morrerá, permanecera vivo, lembrando por cada segundo de sua vida, o sofrimento desses homens, os gritos, o choro, a dor. Permanecera vivo! Lamente sua existência, lamente sua ambição! E lembre-se que foi por ela, que isso aconteceu – ela o tocou na testa, o fazendo arregalar os olhos, parecia que o efeito de suas palavras já fazia sobre ele.

Ao voltar para Ícaro, já era sua linda irmã, que com um sorriso, o pegou nas mãos, e caminharam para fora da tenda onde permaneceu aos berros o homem que a tirou a bondade.

Sem comentários:

Enviar um comentário